domingo, 27 de março de 2011

Medo do Escuro (Terror)


Após dar corda na caixinha de música, Dona Marta deu um beijo na testa de sua filha e caminhou até a porta. Antes que apagasse a luz do quarto, Sarah exclamou:

- Deixe-a acesa, Mamãe!

- Meu bem, eu já te expliquei que não existe nenhum mal no escuro. Vamos combinar o seguinte: se alguma coisa estranha acontecer após eu sair desse quarto, você me chama e eu venho te defender.

Sarah não respondeu com palavras, visto que não concordava com a ideia da mãe, mas como era uma boa filha, não discordava verbalmente do que a mãe dizia. Então fez um incerto sinal de sim com a cabeça, mesmo sabendo, em seu íntimo, que aquilo poderia acabar mal.

Após fechar a porta do quarto, já com a luz apagada, Dona Marta dirigiu-se ao seu quarto, deixando Sarah sozinha com seus medos. A garotinha viu-se completamente abandonada no meio da escuridão. Com seus olhos azuis bem abertos, atentos a qualquer sinal de perigo.

Seu quarto parecia ainda maior e mais sombrio quando ela estava sozinha nele. Na estante, suas bonecas a observavam, imóveis, com olhares vazios e rostos sem expressão, como cadáveres. Contrastando com essas bonecas inexpressivas, havia o palhaço, jogado em um canto do aposento, desfalecido, com seu eterno sorriso falso e olhos esbugalhados, expressão típica de quem tenta esconder um grande desespero.

Na escrivaninha estava sua caixinha de música, que tocava aquela interminável e monótona canção que lhe dava calafrios. Na caixinha havia uma bailarina que ficava incansavelmente sustentando todo o peso do seu corpo sobre a ponta de um dos pés. “Como ela deve sofrer... dentro da sapatilha, seu pé deve estar calejado e ensanguentado.”

O vento soprava pelas frestas da janela, assoviando algo que lhe parecia um mau agouro. Galhos sem folhas, de uma árvore morta que estava em frente a sua casa esperando ser derrubada, ficavam arranhando o vidro da janela, provavelmente tentando irritá-la.

Porém, nem a música que embala o sofrimento da bailarina, nem o assobio agourento do vento, nem o irritante barulho das ranhuras que os galhos mortos faziam no vidro eram capazes de trazer desespero ao coração da garotinha. Mas aquela escuridão...

Sarah tentou suportar ao máximo aquela situação desesperadora. Sua mãe realmente não entendia das coisas. Como ela podia achar que aquela música fúnebre, com uma bailarina escravizada, girando eternamente, poderia lhe fazer ficar calma diante de todo o mal que há na escuridão?

Não podendo contar com a compreensão da mãe, Sarah resolveu tomar uma atitude e acabar com todos os problemas daquele quarto...

Em um movimento rápido ela jogou, com toda sua força, a caixinha de músicas contra o vidro da janela... “Pronto, acabei com o sofrimento da bailarina, com o mau agouro do vento e com a brincadeira irritante dos galhos”.

Antes que sua mãe entrasse no quarto e atrapalhasse sua missão de corrigir todo o mal que havia naquele quarto, Sarah trancou a porta e jogou a chave pela janela sem vidros. Em seguida correu para uma de suas gavetas, onde sabia que a mãe guardava um isqueiro e algumas velas para fazer suas orações.

“Aquelas bonecas mortas devem ser incineradas, não se deve deixar cadáveres assim expostos”. Então a garotinha juntou delicadamente todas as bonecas em um canto do quarto, jogou um de seus perfumes sobre elas e, em seguida, ateou fogo. Agora ela precisava acabar com o desespero do palhaço.

Perguntou, com toda paciência do mundo, o que atormentava o pobre boneco. Ele recusou-se a responder. “Se não tens nenhum sofrimento, te darei motivos para tê-los”. Pegou uma tesoura e fatiou-o lentamente, torturando, na tentativa de fazer aparecer uma expressão de sofrimento naquele rosto que insistia em sorrir artificialmente. Ao final, só restou à garota jogar os restos dilacerados do palhaço sobre as chamas, que já alcançavam as cortinas.

O quarto agora estava completamente iluminado, devido às chamas que davam um final digno aqueles brinquedos sem vida. A essa altura Dona Marta já batia à porta do quarto e gritava desesperadamente para que a filha abrisse...

Sarah acendeu uma vela e colocou-a no lugar onde a poucos minutos havia uma triste bailarina. Com um sorriso de satisfação devido a sensação de missão cumprida, ela ajoelhou-se sobre alguns fragmentos dos vidros da janela e pôs-se a rezar, enquanto esperava que as chamas viessem acabar com o mal que a escuridão colocou em seu interior...Paulo André T. M. Gomes(24 de março de 2011)