sábado, 28 de maio de 2016

Conversando com Deus

      E mais uma vez aqui estou eu, conversando com a energia que perpassa todo o universo. Que está presente em tudo que é vivo e não vivo. Que provavelmente entende o sentido de toda essa existência. Não sei por que existo, não sei por que existe vida, não sei por que existe qualquer coisa. Mas aparentemente eu realmente existo. A vida não me faz nenhum sentido, mas aparentemente existe. E existe em um detalhamento tão complexo que me recuso a acreditar que seja obra do acaso e que não tenha nenhuma finalidade. Não acredito, porém, em nenhuma das explicações atualmente existentes. Ainda não chegaram lá. Ainda não chegamos lá.
      Qualquer tentativa de explicação é sempre falha, limitada. Não estamos nem perto. Quanto mais a ciência aprofunda seu conhecimento, mais complexas as coisas se parecem. Não existe um limite, um fim. O limite sempre é dado pela capacidade intelectual humana. As ferramentas disponíveis em cada época é que nos permite dizer até onde somos capazes de ir. Mas a informação final, verdadeira e realmente importante está muito longe de nossas mãos.
      Talvez a verdade absoluta não seja para ser descoberta. Sempre morreremos sem saber. Mas isso não deve ser motivo para não querer viver. Embora não saibamos por que, nós fomos preparados nos mínimos detalhes para funcionarmos perfeitamente como seres humanos. Então só nos resta aceitarmos a nossa existência, assim como é feito pelos demais seres vivos, e continuarmos a fazer o que é permitido a um ser humano fazer: viver, reproduzir, questionar, se autoquestionar, buscar, acumular conhecimento e compartilhar. Estamos em uma parte do caminho que talvez seja só o começo. Sabe-se lá onde seremos capazes de chegar...

Paulo André T. M. Gomes

Fevereiro de 2016

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Reencontro

Passando por uma das ruas onde vivi, me vi caminhando. Naquela rua. Naquela época. Meio curvado. Meio cabisbaixo. Alheio ao mundo em minha volta. Queria poder me acompanhar, tocar no meu ombro e dizer que, em pouco tempo, tudo vai mudar. Que aqueles problemas, que pareciam sem solução, ficarão tão bobos que serão até esquecidos. Que aqueles sentimentos, tão devastadores, serão tão completamente superados que poderão até ser usados como temas para minhas próprias piadas. Que aquelas pessoas, que me faziam tanto mal, não eram terríveis vilões, eram apenas seres humanos com tantos defeitos e qualidades quanto eu. Que os objetivos planejados e não alcançados não farão falta e serão substituídos por outros muito melhores.
Queria poder me dizer tanta coisa. Por onde ir. Por onde não ir. O que fazer. O que não fazer. Mas não pude me alcançar. Enquanto pensava em tudo o que poderia me dizer para me ajudar, eu continuava andando cabisbaixo e já estava muito longe de mim. Provavelmente não adiantaria de nada me dizer qualquer coisa. Ou talvez tenha sido melhor não ter me alcançado e não ter me ajudado.
Pobre rapaz cabisbaixo. Não sabe quantas mudanças te aguardam. Não sabe quanta sorte tem. Não sabe de nada. E é melhor que não o saiba. De tão desastrado poderia estragar tudo. Se soubesse de toda a sorte e a capacidade que carrega, poderia, de tanta ansiedade, deixá-las caírem no chão.
Não foi para consolar um “eu” que nem existe mais que eu cheguei aqui. A esse momento. Nem para corrigi-lo. Tampouco para ensiná-lo a não errar. Estou aqui porque daqui eu posso apreciar melhor minha evolução pessoal.

Paulo André T. M. Gomes (12 de janeiro de 2015)

domingo, 27 de março de 2011

Medo do Escuro (Terror)


Após dar corda na caixinha de música, Dona Marta deu um beijo na testa de sua filha e caminhou até a porta. Antes que apagasse a luz do quarto, Sarah exclamou:

- Deixe-a acesa, Mamãe!

- Meu bem, eu já te expliquei que não existe nenhum mal no escuro. Vamos combinar o seguinte: se alguma coisa estranha acontecer após eu sair desse quarto, você me chama e eu venho te defender.

Sarah não respondeu com palavras, visto que não concordava com a ideia da mãe, mas como era uma boa filha, não discordava verbalmente do que a mãe dizia. Então fez um incerto sinal de sim com a cabeça, mesmo sabendo, em seu íntimo, que aquilo poderia acabar mal.

Após fechar a porta do quarto, já com a luz apagada, Dona Marta dirigiu-se ao seu quarto, deixando Sarah sozinha com seus medos. A garotinha viu-se completamente abandonada no meio da escuridão. Com seus olhos azuis bem abertos, atentos a qualquer sinal de perigo.

Seu quarto parecia ainda maior e mais sombrio quando ela estava sozinha nele. Na estante, suas bonecas a observavam, imóveis, com olhares vazios e rostos sem expressão, como cadáveres. Contrastando com essas bonecas inexpressivas, havia o palhaço, jogado em um canto do aposento, desfalecido, com seu eterno sorriso falso e olhos esbugalhados, expressão típica de quem tenta esconder um grande desespero.

Na escrivaninha estava sua caixinha de música, que tocava aquela interminável e monótona canção que lhe dava calafrios. Na caixinha havia uma bailarina que ficava incansavelmente sustentando todo o peso do seu corpo sobre a ponta de um dos pés. “Como ela deve sofrer... dentro da sapatilha, seu pé deve estar calejado e ensanguentado.”

O vento soprava pelas frestas da janela, assoviando algo que lhe parecia um mau agouro. Galhos sem folhas, de uma árvore morta que estava em frente a sua casa esperando ser derrubada, ficavam arranhando o vidro da janela, provavelmente tentando irritá-la.

Porém, nem a música que embala o sofrimento da bailarina, nem o assobio agourento do vento, nem o irritante barulho das ranhuras que os galhos mortos faziam no vidro eram capazes de trazer desespero ao coração da garotinha. Mas aquela escuridão...

Sarah tentou suportar ao máximo aquela situação desesperadora. Sua mãe realmente não entendia das coisas. Como ela podia achar que aquela música fúnebre, com uma bailarina escravizada, girando eternamente, poderia lhe fazer ficar calma diante de todo o mal que há na escuridão?

Não podendo contar com a compreensão da mãe, Sarah resolveu tomar uma atitude e acabar com todos os problemas daquele quarto...

Em um movimento rápido ela jogou, com toda sua força, a caixinha de músicas contra o vidro da janela... “Pronto, acabei com o sofrimento da bailarina, com o mau agouro do vento e com a brincadeira irritante dos galhos”.

Antes que sua mãe entrasse no quarto e atrapalhasse sua missão de corrigir todo o mal que havia naquele quarto, Sarah trancou a porta e jogou a chave pela janela sem vidros. Em seguida correu para uma de suas gavetas, onde sabia que a mãe guardava um isqueiro e algumas velas para fazer suas orações.

“Aquelas bonecas mortas devem ser incineradas, não se deve deixar cadáveres assim expostos”. Então a garotinha juntou delicadamente todas as bonecas em um canto do quarto, jogou um de seus perfumes sobre elas e, em seguida, ateou fogo. Agora ela precisava acabar com o desespero do palhaço.

Perguntou, com toda paciência do mundo, o que atormentava o pobre boneco. Ele recusou-se a responder. “Se não tens nenhum sofrimento, te darei motivos para tê-los”. Pegou uma tesoura e fatiou-o lentamente, torturando, na tentativa de fazer aparecer uma expressão de sofrimento naquele rosto que insistia em sorrir artificialmente. Ao final, só restou à garota jogar os restos dilacerados do palhaço sobre as chamas, que já alcançavam as cortinas.

O quarto agora estava completamente iluminado, devido às chamas que davam um final digno aqueles brinquedos sem vida. A essa altura Dona Marta já batia à porta do quarto e gritava desesperadamente para que a filha abrisse...

Sarah acendeu uma vela e colocou-a no lugar onde a poucos minutos havia uma triste bailarina. Com um sorriso de satisfação devido a sensação de missão cumprida, ela ajoelhou-se sobre alguns fragmentos dos vidros da janela e pôs-se a rezar, enquanto esperava que as chamas viessem acabar com o mal que a escuridão colocou em seu interior...Paulo André T. M. Gomes(24 de março de 2011)


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Meu laboratório secreto (Infantil)

Terça-feira, nove de junho. Para as pessoas comuns, era apenas mais um dia como outro qualquer. Mas não para mim. Encontrava-me, mais uma vez, em meu secreto laboratório subterrâneo, revendo minhas anotações e refazendo minhas misturas reacionais, tentando chegar àquela que seria minha maior descoberta. Esse era mais um dia de busca pela minha poção ideal. E algo me dizia que eu estava bem próximo de encontra-la.

Misturei todos os reagentes em proporções ideais, devidamente calculadas. Porém, num momento de distração, deixei cair, acidentalmente, um pouco de minha mistura reacional sobre o meu pobre rato cobaia. A princípio, nenhuma alteração desagradável ocorreu com ele. Mas qual não foi minha surpresa ao vê-lo retorcer, com os dentes, as grades de sua gaiola.

Meu rato fugiu de sua prisão. Embora eu tentasse alcança-lo, ele corria a uma velocidade absurdamente superior a de um simples rato e fugiu do meu laboratório, quebrando a porta blindada.

Num primeiro instante, eu fiquei assustado com o tamanho da força do pequeno roedor. Depois fiquei triste com sua fuga, visto que há anos ele era minha única companhia naquele frio e escuro laboratório. Mas após o choque e a tristeza de ter perdido meu único amigo, notei que eu tinha em mãos uma poderosa substância, capaz de dar uma força sobre-humana a qualquer um que a tomasse.

Precisava tomar nota de tudo e patentear minha descoberta antes que mais alguém a encontrasse. Eu ficaria muito rico. Poderia ter um laboratório ainda maior e com mais equipamentos. Descobriria mais coisas incríveis. Em pouco tempo já seria dono de toda a cidade. Depois compraria o país e, então, dominaria o mundo!

Mas todo esse meu plano iria ruir se algum espião roubasse minha poção milagrosa. Nesse momento eu poderia estar sendo vigiado por alguma agência secreta. Embora meu laboratório estivesse bem escondido e disfarçado, nunca se sabe. Minha identidade de cientista poderia ter sido descoberta e eu poderia ter sido seguido.

Tinha que fechar todas as janelas. Consertar a porta quebrada pelo rato e, então, esconder minha poção e minhas anotações em um lugar extremamente seguro. Assim o fiz. Mas antes de esconder minha poção, bateu-me uma vontade de experimentar um pouco de minha própria criação. Uma pequena dose não me faria mal.

Abri o recipiente com um pouco de ansiedade. O cheiro de minha poção era agradável e característico. Respirei fundo e tomei um único gole rápido, tentando, em vão, não sentir o gosto amargo.

Fiquei meio zonzo inicialmente. Mas, logo em seguida, fui tomado por uma incrível sensação de ter uma ilimitada força. Era incrível! Eu podia levantar qualquer equipamento ou móvel pesado do laboratório com um único dedo.

Infelizmente, começaram a aparecer efeitos colaterais. Perdi o controle e a consciência dos meus atos. Em poucos minutos eu havia destruído meu laboratório quase por completo. E não teria parado se não fosse uma voz, provavelmente vinda de minha cabeça, que dizia:

- O que é isso? Que barulho é esse? Não acredito Paulinho, você quebrou meu vaso importado! E misturou os meus perfumes novamente! Não tem jeito. Está de castigo!

- Mas Mãe! Eu sou um cientista!

- Cientista coisa nenhuma! Já pro seu quarto! Você vai ficar uma semana sem ver televisão!

Bem, a vida de cientista não é fácil. Vou ter que montar meu laboratório secreto em outro lugar. O quarto de minha Mãe não foi uma boa escolha...

Paulo André T. M. Gomes (1 de fevereiro de 2011)

Perseguição (Suspense)

Meia noite, cansado e com sono, lá estava eu, andando pelas ruas sujas e desertas dessa cidade. Minhas únicas companhias eram a Lua e alguns animais de vida noturna. Num canto havia um cão e um gato tentando encontrar alimentos, revirando latas de lixo. Em outro ponto da rua, ratos entravam e saíam de um esgoto próximo à padaria da esquina. Eu estava tentando lembrar por que havia saído tão tarde do emprego, quando ouvi uns passos atrás de mim.

Caminhei mais depressa, sem olhar para trás. Comecei a tremer e a suar frio. Coração acelerado. Aqueles passos não paravam de me perseguir. Virei depressa. Não havia nada além de sombras. O medo aumentou. Ou eu estava enlouquecendo, ou estava sendo seguido por algo sobrenatural.

Corri desesperadamente. Parei na primeira esquina, ofegante. Olhei novamente. Nada! Continuei a andar, tentando manter a calma. Faltava pouco pra chegar a minha casa.

Já mais tranquilo, parei, finalmente, em frente à minha porta. Peguei a maçaneta, ainda um pouco trêmulo devido ao susto e à corrida. Quando a girei, a porta não abriu. Provavelmente meus pais já estavam dormindo. Procurei minhas chaves em todos os bolsos que tinha. Não encontrei.

Os passos recomeçaram. O medo voltou em dobro. Estava meio tonto. Não conseguia manter-me de pé. O mundo girava vertiginosamente. Tentei gritar, mas a voz não veio. Aquele som se aproximava cada vez mais. Não havia saída. Juntei, então, todas as minhas forças e, num movimento brusco... Caí da cama e acordei!

Paulo André T. M. Gomes (Texto escrito em 2003 e editado em 2011)